A Anistia em Xeque: quando a ambiguidade política põe em risco a democracia
- Marcus Modesto
- 11 de abr.
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Por Marcus Modesto
A fala da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), sobre a possibilidade de discutir uma anistia para parte dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, expôs um nervo sensível do governo Lula e provocou reações duras dentro do Supremo Tribunal Federal (STF). A hesitação, mesmo que retórica, num tema tão grave, evidencia um governo acuado pelo avanço bolsonarista no Congresso — e talvez, mais grave ainda, desconectado de parte de suas próprias convicções democráticas.
A tentativa posterior da ministra de remendar sua declaração só confirma o estrago causado. Gleisi afirmou que foi mal interpretada e que não há proposta de anistia em curso. Mas é impossível ignorar o efeito político de sua fala: ela abriu margem para que setores golpistas se sintam legitimados a pleitear um perdão em bloco — justamente o que Jair Bolsonaro e seus aliados tentam articular desde a queda da extrema-direita do poder.
O episódio escancara um problema maior: o governo federal parece se mover como refém do Congresso, especialmente da Câmara comandada por Arthur Lira e permeada por figuras como Hugo Motta, cuja habilidade em negociar concessões é proporcional à fragilidade moral de parte das pautas que conduzem. Diante da ameaça de uma aprovação relâmpago do projeto de anistia — com as 257 assinaturas para urgência já conquistadas —, o Planalto flerta perigosamente com a ideia de aceitar uma “mediação”, que na prática não é outra coisa senão um aceno à impunidade.
Ministros do STF reagiram como se esperava: com indignação. E têm razão. A tentativa de politizar as penas aplicadas pela Justiça às figuras envolvidas em um atentado à ordem democrática é um precedente perigoso. Como lembrou Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas, apenas o Judiciário tem prerrogativa para rever penas — e mesmo assim, com base em argumentos legais, não em pressão política.
O recuo de Gleisi — que agora afirma que sua fala foi “mal colocada” — não é suficiente para apagar o ruído causado. Pelo contrário, expõe a fragilidade da interlocução política do governo e o abismo entre sua narrativa pública e os bastidores de suas articulações.
Se o Executivo quiser manter a coerência com o discurso de defesa da democracia, precisa ser firme: não pode haver qualquer tipo de anistia para quem atentou contra o Estado de Direito. Uma democracia que anistia golpistas enfraquece suas próprias bases e alimenta a crença de que rupturas institucionais podem ser resolvidas com acordos políticos.
A história já mostrou — e o Brasil sabe disso melhor do que ninguém — que anistias mal conduzidas apenas perpetuam ciclos de impunidade. O 8 de janeiro foi um ataque real, com mandantes, cúmplices e executores. Que todos respondam por seus atos, sem atalhos. O país não precisa de mais um pacto de esquecimento.

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