Bolsonaro, a Justiça e a Narrativa da Vitimização
- Marcus Modesto
- 18 de fev.
- 2 min de leitura
A narrativa de vitimização no cenário político não é exclusividade do bolsonarismo, mas ganhou contornos específicos no contexto brasileiro recente. Desde o início de sua ascensão política, Jair Bolsonaro construiu uma imagem de "outsider", alguém que supostamente desafia as elites políticas e midiáticas em nome do povo. Essa retórica foi amplificada durante seu mandato presidencial e, agora, diante de denúncias e investigações, serve como ferramenta para mobilizar sua base e deslegitimar as instituições que o confrontam.
A declaração do deputado Sóstenes Cavalcante, ao sugerir que a Justiça brasileira é parcial e que a denúncia contra Bolsonaro seria fruto de perseguição, reflete uma estratégia que busca transformar processos legais em batalhas políticas. Essa tática não é nova: em diversos países, líderes populistas têm utilizado acusações de "lawfare" (guerra jurídica) para desviar a atenção das questões de fundo e criar um clima de polarização. No caso de Bolsonaro, a ideia de que ele é alvo de um sistema corrupto e parcial ressoa entre seus seguidores, que muitas vezes veem as instituições como distantes e descoladas da realidade do cidadão comum.
No entanto, é fundamental diferenciar entre a crítica legítima ao funcionamento das instituições e a tentativa de deslegitimá-las quando estas não atendem a interesses específicos. A Procuradoria-Geral da República, ao apresentar uma denúncia, está cumprindo seu papel constitucional de investigar e apontar possíveis violações da lei. Ignorar os elementos probatórios apresentados e reduzir o processo a uma mera "perseguição política" é um desserviço à democracia e ao Estado de Direito.
Além disso, a associação entre a denúncia e a convocação de manifestações, como a do dia 16 de fevereiro, revela uma estratégia de tensionamento que busca manter a base bolsonarista mobilizada. Essa mobilização, porém, não se sustenta em argumentos jurídicos ou em uma defesa substantiva das acusações, mas sim na emoção e na lealdade ao líder. O risco aqui é o de aprofundar a polarização e minar a confiança nas instituições, o que pode ter efeitos duradouros na estabilidade democrática do país.
É importante ressaltar que o Judiciário, como guardião da Constituição, deve agir com independência e imparcialidade, sem se deixar influenciar por pressões políticas ou manifestações de rua. A narrativa de vitimização pode ser eficaz no curto prazo para mobilizar apoiadores, mas não substitui a necessidade de enfrentar as acusações no campo jurídico. A democracia exige que todos, inclusive ex-presidentes, sejam tratados com igualdade perante a lei, sem privilégios ou perseguições.

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