Brasil revela maior diversidade genética do planeta em estudo histórico publicado na Science
- Marcus Modesto
- 16 de mai.
- 3 min de leitura
Um estudo inédito publicado nesta quinta-feira (15) na revista Science colocou o Brasil no centro das discussões globais sobre genética e saúde pública. O país foi apontado como detentor da maior diversidade genética do mundo, segundo os dados do mais abrangente sequenciamento genômico já realizado em território nacional.
Conduzido por pesquisadores brasileiros em parceria com o Ministério da Saúde, o levantamento analisou o DNA de 2.700 pessoas de diferentes regiões e contextos sociais, incluindo comunidades indígenas, ribeirinhas, rurais e urbanas. O resultado é um retrato complexo e profundo da miscigenação que moldou o país ao longo de mais de cinco séculos.
“O DNA do brasileiro é um verdadeiro mosaico”, afirmou a geneticista Lygia da Veiga Pereira, uma das autoras da pesquisa. “As combinações únicas entre ancestralidades europeias, africanas e indígenas têm implicações diretas na ciência, na história e na saúde pública.”
DNA brasileiro: reflexo da história
Embora 99,9% do genoma humano seja igual entre todas as pessoas, é nos 0,1% restantes que se encontram as características que nos tornam singulares. E foi nesse pequeno intervalo que os cientistas encontraram 8,7 milhões de variações genéticas inéditas, muitas ligadas a doenças comuns no Brasil, como hipertensão, obesidade, hepatite, gripe, malária e tuberculose.
Mais do que avanços científicos, os dados ajudam a reconstruir capítulos importantes da formação social brasileira. O estudo identificou, por exemplo, marcas genéticas de povos indígenas dizimados durante a colonização — linhagens que resistem silenciosamente no genoma nacional. Também foram detectadas misturas raras de grupos africanos trazidos ao país pelo tráfico de escravizados, revelando encontros genéticos que só ocorreram em solo brasileiro.
“Nosso DNA carrega a memória de um país marcado por violência e encontros forçados”, explicou Lygia. “O predomínio de linhagens paternas europeias (71%) e maternas africanas (42%) e indígenas (35%) reforça a realidade histórica da exploração sexual de mulheres indígenas e negras escravizadas.”
Diversidade regional
O estudo também revelou o perfil genético por região do país:
• Norte: maior presença de ancestralidade indígena;
• Nordeste: destaque para a herança africana;
• Sul: forte predominância europeia, principalmente do sul da Europa;
• Sudeste e Centro-Oeste: regiões com maior equilíbrio entre as três origens.
Segundo a pesquisadora Kelly Nunes, autora principal do artigo, os primeiros grandes cruzamentos genéticos ocorreram no Nordeste e Sudeste, impulsionados pela corrida do ouro e pela ação dos bandeirantes. “O mais surpreendente foi a quantidade de variações genéticas inéditas, que ajudam a dimensionar o potencial científico da população brasileira”, disse.
Caminhos para a medicina de precisão
Os achados representam um marco para a medicina personalizada no Brasil. A maior parte das bases de dados genéticos usadas em pesquisas médicas até hoje vem da Europa e dos Estados Unidos, o que gera distorções ao aplicar tratamentos em populações mais diversas.
Com a nova base, será possível identificar riscos com mais precisão, prever respostas a medicamentos e criar estratégias de prevenção adaptadas à realidade genética brasileira.
“Com esse mapeamento, poderemos indicar, por exemplo, exames de rastreio mais cedo para certos grupos de mulheres, ou ajustar doses de medicamentos com base na ancestralidade”, explicou Kelly.
Seleção natural em ação
Outro destaque do estudo foi a identificação de sinais de seleção natural em alguns genes. Variações genéticas ligadas a maior fertilidade, metabolismo acelerado e resistência imunológica apareceram em frequência mais alta do que o esperado, indicando possíveis vantagens adaptativas ao longo da história.
“São pistas de que certos genes foram favorecidos pela sobrevivência em nosso território, algo que ainda será mais investigado”, acrescentou Lygia.
Rumo a uma saúde mais justa
Mais do que um feito científico, a pesquisa inaugura um novo momento para a saúde pública brasileira. Ao compreender a diversidade genética de sua população, o país dá um passo importante para corrigir desigualdades históricas no acesso à medicina de ponta.
“Essa não é apenas uma descoberta sobre o passado genético do Brasil”, concluiu Kelly. “É uma ferramenta poderosa para planejar o futuro da saúde, com mais equidade e precisão.”

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