Carro oficial como carro de pai: o desvio de função travestido de privilégio na Alerj
- Marcus Modesto
- 5 de mai.
- 2 min de leitura
O episódio envolvendo o deputado estadual Alan Lopes (PL), flagrado utilizando um carro oficial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para levar e buscar a filha na escola, escancara mais uma vez o abismo entre o discurso da moralidade pública e a prática cotidiana de muitos parlamentares. Um veículo pago com dinheiro do contribuinte, identificado com a placa “59” e reservado para o presidente de comissão — função que Lopes ocupa na Comissão de Educação —, é usado como transporte escolar particular. Uma afronta à lei, à ética e, sobretudo, à população fluminense.
A resposta do parlamentar e de seus auxiliares à denúncia feita pelo RJ2, da TV Globo, beira o deboche institucional. Primeiro, com a reação hostil do motorista, que se recusou a prestar esclarecimentos à cidadã que filmava a cena. Depois, com a tentativa de intimidação feita por um assessor, que passou a gravar a denunciante. O recado foi claro: quem deveria prestar contas se acha no direito de intimidar quem cobra transparência.
A justificativa apresentada por Alan Lopes é tão recorrente quanto conveniente: alegou que a medida se dá por razões de segurança, amparada em supostos relatórios de inteligência. Mas o uso de carro oficial para fins particulares não se legaliza com base em argumentos subjetivos. O princípio da impessoalidade na administração pública exige que o uso de bens do Estado esteja diretamente vinculado ao interesse público e ao exercício da função — e não à conveniência pessoal de quem ocupa um cargo eletivo.
Mais grave ainda é o fato de Lopes ser justamente o presidente da Comissão de Educação da Alerj. Deveria ser um exemplo de compromisso com a legalidade, a transparência e o zelo com os recursos públicos. Em vez disso, transforma o carro da comissão num privilégio familiar, enquanto escolas públicas sofrem com a falta de infraestrutura, segurança e transporte escolar para seus próprios alunos.
Casos como este não podem ser normalizados nem abafados com desculpas prontas. A Assembleia Legislativa deve uma resposta clara à sociedade. O uso indevido de recursos públicos precisa ser investigado e punido — e não apenas explicado. Caso contrário, continuará se consolidando a certeza, entre os que ocupam cargos públicos, de que a lei é flexível — desde que o infrator use terno, tenha imunidade e uma placa oficial.
Até quando a impunidade será o combustível desses abusos?

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