Condenação do Atacadão expõe cultura de assédio institucional no varejo
- Marcus Modesto
- 13 de mai.
- 2 min de leitura
A recente condenação do Atacadão pela Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro revela mais do que uma violação pontual de direitos: escancara uma cultura recorrente de controle excessivo e desumanização de trabalhadores no setor varejista brasileiro. A decisão, proferida pelo juiz Cássio Selau, da 48ª Vara do Trabalho do Rio, reconheceu que uma ex-operadora de caixa foi submetida a restrições abusivas para uso do banheiro durante o expediente, e determinou o pagamento de R$ 21 mil em indenização por danos morais.
O caso, ocorrido na unidade de Jacarepaguá, zona oeste da capital fluminense, chama atenção pelos contornos de opressão relatados no processo. A trabalhadora afirmou que, para ir ao banheiro, precisava aguardar até uma hora e meia por autorização e, mesmo após a liberação, dispunha de apenas cinco minutos. Ultrapassar esse limite resultava em constrangimentos públicos: chamadas pelo sistema de som da loja ou abordagens diretas de colegas enviados para retirá-la do sanitário. De volta ao posto, ainda era repreendida por fiscais.
A defesa da empresa tentou minimizar a situação, alegando que não há proibição ao uso do banheiro e que o controle das pausas visa apenas manter a fluidez do atendimento. Mas o depoimento de uma testemunha confirmou as restrições impostas e pesou na decisão do juiz, que qualificou a prática como “verdadeira opressão”. Segundo a sentença, a legislação trabalhista é inequívoca ao garantir acesso imediato aos sanitários, e qualquer obstáculo nesse direito básico representa afronta à dignidade da pessoa humana.
Mais do que isso, o juiz também reconheceu que o ambiente de trabalho contribuiu para o adoecimento mental da funcionária. Crises de ansiedade foram relatadas e comprovadas com atestados médicos, decorrentes não apenas das restrições fisiológicas, mas também da pressão por metas. Esse elemento escancara uma realidade alarmante: a lógica produtivista de muitas redes varejistas ainda se sustenta na exploração do corpo e da saúde mental de seus empregados.
O Atacadão, uma das maiores redes do país e parte do grupo Carrefour, até agora não se manifestou publicamente sobre a condenação. O silêncio é sintomático. Grandes corporações do varejo, embora invistam pesadamente em marketing e discurso de responsabilidade social, muitas vezes mantêm práticas internas que vão na contramão desses valores. E quando casos como esse vêm à tona, não raramente optam por recorrer em silêncio, apostando que o desgaste institucional será passageiro.
Este episódio não é isolado. Há uma série de denúncias semelhantes envolvendo grandes redes de supermercados, com acusações de jornadas exaustivas, metas abusivas, revistas íntimas e controle extremo de pausas. A decisão da Justiça do Trabalho deve ser lida como um alerta — e também como um precedente. O que está em jogo não é apenas o direito ao banheiro, mas a reafirmação de que nenhum modelo de negócio pode se sustentar à custa da dignidade de seus trabalhadores.
Enquanto os lucros seguem bilionários, o mínimo que se espera é respeito aos direitos fundamentais. O “controle de pausas”, quando ultrapassa a fronteira do razoável, transforma-se em vigilância humilhante — e isso tem nome: assédio institucional.

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