Congresso escancara crise institucional e enfraquece governabilidade ao derrubar decreto sobre IOF
- Marcus Modesto
- 26 de jun.
- 3 min de leitura
O Congresso Nacional ultrapassou mais uma linha vermelha nesta semana ao derrubar, de forma abrupta e sem aviso prévio, um decreto presidencial que reajustava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A votação-relâmpago, orquestrada durante o esvaziamento do plenário por conta das festas de São João, foi lida pelo governo como uma quebra de acordo político e um ataque direto às prerrogativas do Executivo.
Mais que uma simples derrota legislativa, o episódio representa uma grave fratura institucional. A decisão, que teve 383 votos favoráveis na Câmara e foi confirmada em votação simbólica no Senado, desautorizou publicamente o governo em um tema sensível — a política fiscal — e reabriu a tensão entre os poderes. Trata-se da primeira vez, desde 1992, que um decreto presidencial é derrubado pelo Congresso. A última vítima foi Fernando Collor, às vésperas do impeachment.
Não se trata apenas de números no orçamento. A medida atingia setores que há anos escapam de uma tributação proporcional: fintechs, apostas online e investidores que se beneficiam de produtos financeiros isentos como LCI e LCA. Derrubar o decreto significa blindar nichos privilegiados da sociedade, transferindo a conta, mais uma vez, para quem depende de programas sociais — os primeiros na fila do contingenciamento.
A reação do Planalto foi imediata. O presidente Lula convocou uma reunião de emergência com a cúpula política e econômica do governo. Estuda levar o caso ao STF por entender que o Congresso violou a separação entre funções regulatórias e prerrogativas legais do Executivo. O Ministério da Fazenda alerta que o rombo de R$ 20,5 bilhões terá impacto direto sobre programas sociais e o funcionamento da máquina pública.
A justificativa do Congresso? Um suposto compromisso com a “previsibilidade jurídica” e a rejeição a novos impostos. Mas o movimento evidencia algo mais profundo: a crescente vontade de setores do Legislativo de tutelar o Executivo, usando a máquina do Parlamento como instrumento de chantagem política e de blindagem de interesses econômicos.
Lindbergh Farias (PT-RJ) resumiu com precisão a gravidade do que está em jogo: “Tem uns que acham que podem garrotear o presidente Lula. Estão tirando R$ 12 bilhões, mas vão quebrar a cara. Não querem deixar as elites pagarem impostos”. O líder do governo na Câmara, José Guimarães, foi ainda mais direto: “Foi um movimento articulado para gerar desgaste e atingir a espinha dorsal do financiamento de programas sociais.”
O que impressiona não é apenas o conteúdo da decisão, mas a forma como foi conduzida: sem aviso ao governo, sem diálogo, sem tempo para articulação. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi pega de surpresa ao descobrir a inclusão do tema na pauta — o que revela, no mínimo, deslealdade institucional.
A narrativa de que “o Congresso ajuda mais do que atrapalha”, defendida por Davi Alcolumbre, soa cínica diante dos fatos. A atuação do Parlamento tem sido, sistematicamente, de sabotagem a qualquer tentativa de reforma tributária com viés distributivo. Exige-se do Executivo responsabilidade fiscal, mas o Legislativo recusa qualquer forma de aumento de arrecadação, mesmo quando voltada aos mais ricos.
O Planalto agora está diante de uma encruzilhada: recompor pontes com um Congresso fragmentado e volátil ou entrar em rota de colisão institucional, com todos os riscos que isso representa para a estabilidade política e econômica do país.
O que está claro, no entanto, é que o Congresso deixou de ser um espaço de diálogo institucional e passou a atuar como um poder paralelo, disposto a impor limites ao Executivo à base do atropelo e do oportunismo.
A democracia brasileira sobrevive, mas sangra. E o povo, como sempre, paga a conta.




Comentários