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Cracolândia amanhece vazia após operação policial e levanta dúvidas sobre dispersão de usuários

  • Foto do escritor: Marcus Modesto
    Marcus Modesto
  • 13 de mai.
  • 3 min de leitura

Um dos pontos mais emblemáticos da Cracolândia, na rua dos Protestantes, centro de São Paulo, amanheceu completamente vazio nesta terça-feira (13). A cena, considerada inédita por moradores e comerciantes da região, contrasta com a realidade habitual do local, marcado há anos pela concentração de usuários de drogas e intenso tráfico de entorpecentes. Nenhum movimento foi registrado ao longo do trecho, nem mesmo nas áreas próximas à rua Gusmões, onde a prefeitura havia instalado um muro como tentativa de contenção.


A ausência repentina de usuários levanta questionamentos entre autoridades e especialistas. Apesar de a Prefeitura de São Paulo não ter divulgado informações oficiais sobre o destino dos dependentes químicos, fontes da administração municipal apontam que o esvaziamento é reflexo de uma operação deflagrada na última sexta-feira (9). A ação contou com a participação conjunta da Prefeitura, do governo estadual, da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana. Cães farejadores foram utilizados para inibir o tráfico, e o reforço no policiamento tem sido mantido desde então.


Segundo o vice-prefeito Ricardo Mello Araújo (PL), o objetivo é “estrangular o tráfico” e, com isso, induzir os usuários à busca por tratamento. “A gente tem forçado, no bom sentido, as pessoas a se internarem porque a droga não está mais chegando”, declarou. A fala, no entanto, gerou desconforto entre profissionais da saúde e da assistência social, que alertam para os riscos de uma abordagem predominantemente repressiva, sem o devido fortalecimento das políticas de acolhimento e redução de danos.


Apesar de relatos iniciais de que cerca de 20 pessoas foram encaminhadas para unidades de acolhimento, não há dados consolidados sobre o número total de internações desde o início da operação. Também não foi informado se houve algum tipo de remoção forçada ou desmobilização organizada por parte do poder público.


Comerciantes locais relataram surpresa e alívio diante do cenário incomum. “A rua está até mais limpa, é estranho. Em dias normais, era muita sujeira, barulho, briga…”, disse uma lojista. Apesar disso, autoridades evitaram qualquer tom de comemoração. O secretário de Segurança Urbana, Orlando Morando, reconheceu que a dispersão pode não ser definitiva. “Tem a preocupação com novos fluxos. Estamos monitorando permanentemente para evitar que a cena se reinstale em outro lugar. Não acabou”, afirmou.


De fato, indícios apontam que os usuários não desapareceram, mas se espalharam por outras áreas da cidade. Pequenos grupos foram observados na praça Marechal Deodoro, rua David Bigio (Bom Retiro), e em locais mais afastados como a Vila Maria, estação Bresser-Mooca e Largo de Santo Amaro. A dispersão acende o alerta para a possível multiplicação das chamadas “mini-Cracolândias” pela capital — um efeito já conhecido de operações anteriores que priorizam a retirada do problema da vista, sem necessariamente enfrentá-lo de forma estruturada.


O secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), atribuiu o esvaziamento à repressão ao crime organizado e afirmou que a Polícia Civil prendeu líderes do tráfico e desarticulou pensões e hotéis usados pelo PCC no centro. No entanto, especialistas em saúde pública avaliam que a pressão policial, sozinha, tende a empurrar o problema para as periferias da cidade — onde a rede de apoio costuma ser mais frágil.


Enquanto isso, técnicos da própria prefeitura expressam preocupação com o esvaziamento dos protocolos sociais. A atual gestão, sob liderança de Mello Araújo, tem sido criticada por reduzir investimentos em ações voltadas à redução de danos e acolhimento humanizado — pilares historicamente centrais na abordagem da Cracolândia.


O desaparecimento súbito dos usuários da rua dos Protestantes pode até parecer um avanço à primeira vista. Mas, sem acompanhamento transparente, estrutura social reforçada e estratégia de longo prazo, o risco é apenas mudar o endereço do problema — e invisibilizar ainda mais uma população que vive à margem.


 
 
 

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