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Estudo internacional revela cenário alarmante de violência sexual infantil no Brasil e expõe falhas na rede de proteção

  • Foto do escritor: Marcus Modesto
    Marcus Modesto
  • 13 de mai.
  • 3 min de leitura

Um estudo inédito publicado na revista científica The Lancet na última quarta-feira (7/5) trouxe à tona dados preocupantes sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Segundo a pesquisa, 17,7% das mulheres e 12,5% dos homens brasileiros com 20 anos ou mais afirmaram ter sofrido algum tipo de violência sexual antes dos 18 anos — o equivalente a quase uma em cada cinco mulheres e um em cada oito homens.


A pesquisa, considerada uma das mais abrangentes já realizadas sobre o tema, analisou dados de 204 países entre 1990 e 2023. As informações foram divulgadas pela Folha de S. Paulo e incluem casos de estupro e toques indesejados com conotação sexual. Os resultados posicionam o Brasil com índices elevados, mas ainda abaixo de países vizinhos, como Chile (31,4% das mulheres) e Costa Rica (30,9%).


Apesar da subnotificação crônica, o estudo aponta que a violência sexual infantil é um problema global: 18,9% das mulheres e 14,8% dos homens em todo o mundo relataram terem sido vítimas desse tipo de crime antes da vida adulta. As regiões mais afetadas são o sul da Ásia e a África Subsaariana. Na Índia, por exemplo, 30,8% das mulheres disseram ter sido abusadas na infância. Entre os homens, o maior índice foi registrado na Costa do Marfim (28,3%).


A brasileira Luisa Flor, professora assistente da Universidade de Washington e uma das autoras do estudo, destaca que a vergonha, o medo e o estigma ainda impedem que muitos casos cheguem ao conhecimento das autoridades. “Muitas vítimas sequer reconhecem que foram abusadas, especialmente quando a violência ocorre dentro do círculo familiar ou em instituições de confiança”, alerta.


No Brasil, a desigualdade social e a precariedade da rede de proteção agravam o cenário. Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que, apenas em 2024, foram registradas 78.395 denúncias de estupro no país — uma média de nove casos por hora. Mais de 67 mil das vítimas eram mulheres, quase 10 mil eram homens e, em cerca de 900 casos, o gênero não foi informado.


Segundo Luisa Flor, os efeitos do abuso sexual infantil ultrapassam o campo da segurança pública e se configuram como uma questão grave de saúde. “As marcas deixadas por essa violência podem perdurar por toda a vida, afetando a saúde mental, o desenvolvimento social e a capacidade de aprendizagem das vítimas.”


A psicóloga Cláudia Melo, especialista no atendimento a crianças e adolescentes abusados, afirma que os traumas são muitas vezes silenciados e somatizados. “A dor psíquica não tratada pode evoluir para quadros de depressão, ansiedade, uso de drogas e até pensamentos suicidas. É comum que vítimas desenvolvam comportamentos autodestrutivos como tentativa de anestesiar o sofrimento.”


Embora o Brasil possua leis e programas voltados à proteção infantil, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei da Escuta Protegida, a implementação dessas políticas é desigual e frequentemente falha, principalmente em regiões mais pobres.


Itamar Gonçalves, gerente de advocacy da organização Childhood Brasil, ressalta que o país ainda não possui uma política nacional coordenada para combater de forma eficaz a violência sexual contra crianças e adolescentes. “Faltam integração entre os serviços, padronização dos protocolos e capacitação dos profissionais. Sem isso, os abusadores seguem impunes e as vítimas desassistidas.”


A Lei da Escuta Protegida, que estabelece diretrizes para o acolhimento humanizado das vítimas e evita a revitimização durante os procedimentos legais, ainda enfrenta resistência e desconhecimento por parte de órgãos públicos. “Muitas cidades não sabem como implementar os fluxos de atendimento previstos na legislação. Falta orientação e investimento”, critica Gonçalves.


O estudo reforça a urgência de uma resposta coordenada entre governo federal, estados e municípios, com foco em prevenção, atendimento psicológico, responsabilização dos agressores e educação. Especialistas ouvidos concordam: enquanto a violência sexual infantil for tratada como uma estatística e não como uma prioridade, milhares de crianças continuarão a ter sua infância roubada — e o silêncio continuará sendo cúmplice.


 
 
 

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