Ex-presidente da Funai é condenado a 10 anos de prisão por perseguição a indígenas e servidores
- Marcus Modesto
- 17 de out.
- 3 min de leitura
Sentença contra Marcelo Xavier expõe o uso político da Funai e a pressão sobre quem defendia os direitos indígenas durante o governo Bolsonaro
A Justiça Federal do Amazonas condenou o ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, a dez anos de prisão por perseguir lideranças indígenas e servidores do órgão. A decisão, proferida nesta quarta-feira (15), também determinou a perda do cargo público e o pagamento de cem dias-multa.
Segundo o juiz Thadeu José Piragibe Afonso, da 2ª Vara Federal do Amazonas, Xavier usou a estrutura da Funai e influenciou investigações policiais para intimidar e retaliar funcionários e lideranças que se opunham à liberação das obras do Linhão de Tucuruí — empreendimento que corta a Terra Indígena Waimiri Atroari, no Norte do país.
O magistrado destacou que o ex-presidente “mobilizou instrumentos do Estado com fins particulares e políticos”, ao tentar silenciar vozes contrárias a um projeto considerado estratégico pelo governo Bolsonaro. A defesa de Xavier afirmou que vai recorrer da decisão e negou as acusações de perseguição.
O poder contra o direito
A condenação de Marcelo Xavier representa um marco simbólico na luta entre o poder político e os direitos originários dos povos indígenas. Durante sua gestão na Funai, entre 2019 e 2022, o órgão foi acusado por indigenistas, servidores e organizações da sociedade civil de ter abandonado seu papel de proteção e se transformado em uma estrutura voltada à liberação de empreendimentos em terras indígenas.
A sentença expõe a violência institucional praticada não com armas, mas com processos administrativos, sindicâncias e inquéritos, usados para intimidar quem se mantinha fiel à missão legal da Funai.
Servidores que defendiam pareceres técnicos contrários a determinadas obras passaram a ser tratados como opositores políticos. Lideranças indígenas, por sua vez, foram alvo de tentativas de desmoralização pública e perseguições judiciais.
O Linhão e o conflito de interesses
O caso do Linhão de Tucuruí se tornou o símbolo dessa disputa. A linha de transmissão, que liga Roraima ao sistema elétrico nacional, foi considerada uma “obra de interesse nacional”, mas atravessa a terra dos Waimiri Atroari. Durante anos, o povo indígena resistiu ao projeto por falta de consulta prévia, prevista na Convenção 169 da OIT.
Marcelo Xavier, então à frente da Funai, pressionava técnicos e lideranças para liberar as licenças, mesmo sem as garantias ambientais e sociais exigidas. O juiz entendeu que as ações do ex-presidente configuraram denunciação caluniosa e abuso de poder, ao tentar criminalizar servidores e indígenas que apenas cumpriam seu dever.
O significado político da condenação
A decisão da Justiça Federal representa mais que uma punição individual — é um gesto de resgate institucional.
Pela primeira vez, um dirigente da Funai é condenado por usar o órgão contra sua própria missão. A sentença reafirma que o Estado não pode se transformar em instrumento de coerção contra povos e servidores que defendem a legalidade.
Em um país onde a impunidade por crimes administrativos e ambientais é a regra, a condenação de Xavier pode servir de precedente histórico. Mas também levanta uma pergunta incômoda: quantos outros casos de perseguição permaneceram invisíveis dentro da Funai e de outros órgãos públicos?
Entre justiça e reparação
Embora a condenação simbolize um avanço, ela não repara os danos humanos e institucionais causados durante os anos de desmonte.
Servidores foram afastados, lideranças indígenas foram ameaçadas e o próprio conceito de “proteção indigenista” foi distorcido. Reconstruir essa confiança levará tempo — e exigirá mais que decisões judiciais: será preciso vontade política e transparência real na gestão pública.
“A condenação é um recado de que o poder público deve servir à Constituição, não a projetos de governo. O respeito aos povos indígenas é uma obrigação do Estado brasileiro, não uma escolha ideológica.”
— trecho da sentença do juiz Thadeu Piragibe Afonso.




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