Mais de uma década depois da PEC das Domésticas, direitos seguem no papel
- Marcus Modesto
- 4 de mai.
- 2 min de leitura
Mais de uma década após a promulgação da Emenda Constitucional 72 — conhecida como PEC das Domésticas —, o cenário enfrentado pelas trabalhadoras domésticas no Brasil continua marcado por desigualdade, invisibilidade e precarização. Apesar de a legislação de 2013 ter representado um marco histórico ao garantir direitos como jornada de 44 horas semanais, hora extra, férias, FGTS e contribuição previdenciária, a realidade prática mostra que esses direitos ainda não saíram do papel para a maioria da categoria.
Um levantamento recente do Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas, revela que apenas 25% das profissionais têm carteira assinada. Ou seja, três em cada quatro atuam na informalidade, sem acesso aos direitos básicos assegurados por lei. Além disso, 64% das entrevistadas ganham menos que o salário mínimo, atualmente fixado em R$ 1.412. O estudo ouviu 665 trabalhadoras em todas as regiões do país e mostra que a informalidade não é exceção, mas a regra.
Outro dado alarmante diz respeito à contribuição previdenciária: apenas 36% das profissionais conseguem contribuir regularmente com a Previdência Social, o que as deixa vulneráveis em caso de doença, acidente ou ao chegar à aposentadoria. A pesquisa revela ainda o profundo impacto físico e emocional da atividade: 70% das trabalhadoras afirmam se sentir cronicamente cansadas, resultado de jornadas longas, esforço excessivo e falta de pausas adequadas.
A sobrecarga se agrava quando se considera que 57% das entrevistadas são chefes de família e 34% são mães solo — ou seja, além de cuidar das casas de outras pessoas, são responsáveis pelo sustento e cuidado de seus próprios lares. E há um fator racial incontornável: 66% das trabalhadoras domésticas no Brasil são mulheres negras, o que escancara o recorte histórico de desigualdade racial e social que estrutura o setor.

A coordenadora da pesquisa, vinculada à OIT, foi enfática ao destacar que a informalidade no trabalho doméstico é um problema estrutural, e não individual. “Ela precisa ser enfrentada com políticas públicas específicas, campanhas de conscientização e mecanismos eficazes de fiscalização”, afirmou.
A PEC das Domésticas foi aprovada sob aplausos, como um avanço civilizatório, ainda durante o governo Dilma Rousseff. No entanto, o abismo entre a lei e a prática reafirma que, no Brasil, legislar é apenas o primeiro passo. Sem vontade política, fiscalização ativa e valorização concreta da categoria, o trabalho doméstico continuará sendo sinônimo de exclusão. E isso, mais do que um problema legal, é uma dívida moral do país com as mulheres que sustentam, com o próprio corpo, milhões de lares brasileiros.

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