Racismo institucional, hipocrisia do sistema e uma decisão histórica: quem teme Vera Lúcia no TSE?
- Marcus Modesto
- 4 de jun.
- 2 min de leitura
A possível nomeação da advogada Vera Lúcia Santana de Araújo para uma cadeira no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é apenas uma escolha técnica — é um divisor de águas no enfrentamento das estruturas de poder que, há séculos, marginalizam corpos negros no topo das instituições brasileiras.
Vera Lúcia pode se tornar a primeira mulher negra ministra titular na história do TSE. O fato de, em pleno 2025, essa ser uma possibilidade inédita diz muito mais sobre o Brasil do que discursos bonitos sobre democracia, diversidade e igualdade.
O nome dela integra uma lista tríplice formada exclusivamente por mulheres — um avanço simbólico, mas que, se não for traduzido em ação, continuará sendo apenas isso: simbólico. Ao lado de Estela Aranha, assessora da ministra Cármen Lúcia, e de Cristina Maria Gama Neves da Silva, desembargadora-substituta do TRE-DF, Vera Lúcia carrega não só uma trajetória jurídica impecável, mas também o peso da sub-representação histórica da população negra nas cortes superiores.
A escolha agora está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que carrega o discurso da reparação histórica, da inclusão e do combate ao racismo estrutural. Não se trata apenas de preencher uma vaga — trata-se de responder, de forma concreta, se os compromissos assumidos com a diversidade estão acima das pressões elitistas e dos interesses que seguem tentando manter o Judiciário como um espaço predominantemente branco e aristocrático.
O episódio recente em que Vera Lúcia foi vítima de racismo institucional, ao ser barrada na sede da Advocacia-Geral da União (AGU), escancarou, mais uma vez, que não há cargo, título ou currículo que blinde uma mulher negra da humilhação sistemática. Mesmo se apresentando como palestrante em um evento oficial da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, sua palavra não foi suficiente. O uniforme da exclusão falou mais alto que o crachá da autoridade.
O caso repercutiu, gerou indignação, mas, como de costume, seguiu o roteiro cínico das notas de repúdio e das desculpas protocolares. O mesmo Estado que a constrange é o que agora discute se ela é ou não merecedora de ocupar um dos assentos mais estratégicos da Justiça Eleitoral brasileira.
É constrangedor, mas é a realidade. E a pergunta que se impõe é direta: quantas portas mais Vera Lúcia precisará abrir à força para que uma sociedade inteira compreenda que o problema nunca foi sua capacidade, e sim o racismo que insiste em tentar barrá-la?
O Brasil, e particularmente o governo que se diz comprometido com a diversidade, tem nas mãos uma decisão que vai muito além do jurídico. É uma decisão política, social e histórica. Negar a Vera Lúcia esse espaço, neste momento, será perpetuar a lógica dos tapinhas nas costas, dos discursos progressistas que nunca se traduzem em práticas efetivas.
Se há coerência, Vera Lúcia deve ser escolhida. E não por caridade ou favor. Mas porque é tecnicamente qualificada, socialmente necessária e historicamente urgente.

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