Senado Ignora a Soberania do Executivo e Aposta em Retrocesso Diplomático
- Marcus Modesto
- 20 de mar.
- 2 min de leitura
Em uma decisão que flerta com o populismo e desconsidera as prerrogativas constitucionais do Executivo, o Senado aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 206/23, que susta a exigência de visto para cidadãos da Austrália, do Canadá, dos Estados Unidos e do Japão. O argumento, embalado em preocupações com o turismo, desmorona diante da análise mais ampla dos interesses nacionais e da autonomia do governo em conduzir a política externa.
A retomada da exigência de visto, estabelecida em 2023, baseia-se em um princípio básico das relações internacionais: a reciprocidade. Não há nada de arbitrário em solicitar dos estrangeiros aquilo que seus países impõem aos brasileiros. Ainda assim, o Senado, sob relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), optou por enfraquecer a posição soberana do Brasil, sob a justificativa vaga de que “outra possibilidade se mostra mais adequada”.
O discurso alarmista sobre a queda no fluxo de turistas carece de fundamentos sólidos. A Embratur aponta que 825 mil turistas dos EUA e do Canadá visitaram o Brasil em 2023 — um número que, por mais expressivo que pareça, não justifica a abertura indiscriminada de nossas fronteiras. Além disso, a cobrança de US$ 80,90 pelo visto eletrônico está longe de ser um obstáculo intransponível para viajantes oriundos de nações com alto poder aquisitivo.
Mais grave, contudo, é o precedente perigoso que o Senado abre ao interferir em uma decisão que é, constitucionalmente, prerrogativa do Executivo. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apontou, com razão, que o PDL extrapola as competências do Legislativo e deveria, ao menos, ter passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ao ignorar esse rito, o Senado dá um passo arriscado rumo ao esvaziamento das atribuições do governo federal em temas sensíveis como imigração e relações exteriores.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), alertou para a incoerência do discurso oposicionista ao lembrar que o Japão, ao retirar a exigência de visto para os brasileiros, foi justamente um exemplo de como a reciprocidade pode funcionar como ferramenta de negociação diplomática. Ao abdicar dessa prerrogativa, o Brasil sinaliza fraqueza em sua política externa e abre mão de um instrumento legítimo de proteção dos interesses nacionais.
Se aprovado na Câmara dos Deputados, o PDL 206/23 não só enfraquecerá a autonomia do Executivo, como também enviará uma mensagem clara ao mundo: o Brasil está disposto a abrir mão de sua soberania em nome de ganhos econômicos incertos e de um discurso populista mal fundamentado.

Comments