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Com avanço do Pix, Brasil acelera rumo ao fim do dinheiro físico, mas deixa milhões para trás

  • Foto do escritor: Marcus Modesto
    Marcus Modesto
  • há 2 dias
  • 3 min de leitura

O Brasil está acelerando o processo de abandonar o dinheiro físico. Desde o lançamento do Pix, em 2020, o sistema se tornou rapidamente o meio de pagamento mais utilizado no país, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Mas enquanto a digitalização avança para parte da população, outra parcela significativa segue à margem desse novo modelo — sem acesso, sem domínio das ferramentas e, muitas vezes, sem sequer ter uma conexão de internet decente.


Em 2019, as transações em dinheiro representavam 48% das operações financeiras no país. Em 2023, esse percentual despencou para 22%, e a projeção é que, até 2027, apenas 12% dos pagamentos sejam feitos em papel-moeda.


Mas essa transformação, vendida como símbolo de modernidade, não é para todos. Idosos, analfabetos digitais e moradores de áreas sem internet de qualidade enfrentam uma realidade bem diferente daquela apresentada nos discursos oficiais sobre inovação e inclusão financeira.


A tecnologia exclui quem não é “digital”


A aposentada Suely dos Santos Ramalheda, de 70 anos, é um retrato desse abismo. Ela até tem celular, mas se sente insegura em fazer operações bancárias, principalmente pelo medo constante de cair em golpes. “Se eu estiver com uma sobrinha do meu lado, ela faz pra mim. Mas sozinha eu não faço. As pessoas não têm paciência pra explicar. E, na nossa idade, tem que explicar três, quatro, até cinco vezes”, desabafa.


Suely se encaixa no que os especialistas chamam de primeiro estágio de letramento digital — o reconhecimento básico das funções. Isso significa que ela sabe usar o celular, mas não tem segurança para executar tarefas mais complexas, como transferências, pagamentos ou operações bancárias.


Segundo dados do Instituto Locomotiva, 65% das pessoas das classes D e E ainda usam dinheiro físico como principal meio de pagamento. E, embora o celular esteja presente em 93% dos lares brasileiros, o acesso à internet de qualidade e, principalmente, o domínio das ferramentas digitais, não acompanham esse dado.


Educação digital não acompanha a velocidade da tecnologia


Para a cientista social e educadora em direitos digitais Marcela Canto, da ONG Futuroon, a velocidade da digitalização não foi acompanhada de políticas públicas adequadas para garantir que todos pudessem atravessar essa transformação de forma segura e autônoma.


“A tecnologia não é o problema. O problema é quando ela passa a ser o único caminho para se acessar um direito básico. Se a única forma de receber um auxílio ou pagar uma conta é via Pix, quem não domina essa tecnologia está automaticamente excluído”, afirma.


O economista Gilberto Braga, professor do Ibmec-RJ, reforça a crítica. Segundo ele, embora o Pix gere economia para o Estado — que deixa de gastar com impressão e logística do dinheiro físico —, essa mudança ignora um fato básico: milhões de brasileiros não estão preparados para essa transição.


“Não se trata só de ter um celular. É preciso compreender os processos, saber identificar golpes, usar as plataformas com segurança. Senão, a promessa de inclusão vira, na prática, uma dependência de terceiros — familiares, vizinhos ou até desconhecidos”, pontua.


A internet que não chega pra todos


Além das barreiras de conhecimento, há também as barreiras geográficas e econômicas. Moradores de regiões com baixa conectividade, como zonas rurais, comunidades e periferias, ficam ainda mais distantes dessa realidade digital.


“Muita gente depende de planos pré-pagos, que só liberam acesso a aplicativos como WhatsApp e Facebook. Isso impede que a pessoa acesse apps de bancos ou realize pagamentos online. Mesmo em áreas urbanas, a distribuição de antenas e sinal não é igual. Na prática, a conexão simplesmente não se sustenta”, explica Marcela.


Onde o Estado falha, as ONGs tentam agir


Organizações como a Futuroon, em São Gonçalo, tentam preencher parte desse vazio com oficinas de letramento digital para idosos, jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas são iniciativas isoladas, que, por mais importantes que sejam, não conseguem substituir políticas públicas robustas e de alcance nacional.


“O problema é estrutural. E quando o Estado abandona a responsabilidade de educar, informar e garantir acesso, ele aprofunda desigualdades que já são históricas no Brasil”, afirma a educadora.


A modernidade que não chega para todos


Se, por um lado, as estatísticas apontam que o dinheiro físico está com os dias contados, por outro, milhões de brasileiros estão sendo empurrados para uma espécie de apagão financeiro. A pressa pela modernização, sem considerar as condições reais da população, corre o risco de criar uma sociedade onde pagar e receber não é um direito universal, mas um privilégio digital.


O futuro é digital, mas, para boa parte do país, ele ainda não chegou.



 
 
 

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