Após tragédia em Maricá, Alerj discute protocolo antirracista que o Estado demorou demais para criar
- Marcus Modesto
- há 2 dias
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A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) realizou nesta segunda-feira (19) uma audiência pública marcada pela dor e pela urgência: discutir o Projeto de Lei 1529/2023, que propõe a criação de protocolos de enfrentamento ao racismo e à intolerância religiosa nas instituições de ensino, públicas e privadas. A proposta leva o nome de “Lei Guilherme Lima”, em homenagem ao estudante negro de 14 anos que tirou a própria vida após ser vítima de bullying racista em uma escola estadual de Maricá.
O autor do projeto, deputado Carlos Minc (PSB), comparou a proposta à Lei Maria da Penha nas Escolas, defendendo a implantação de protocolos claros de acolhimento e responsabilização. “É fundamental que professores saibam identificar e agir diante de sinais de racismo”, afirmou. A declaração, embora louvável, escancara uma omissão histórica do poder público: só após a morte de uma criança é que se reconhece o racismo como uma urgência institucional.
Um sistema que falha e se repete
Marinês Lima, mãe de Guilherme, emocionou os presentes ao relatar a dor que carrega desde a tragédia. Sua fala foi mais do que um desabafo — foi uma acusação direta ao sistema que falhou com seu filho. “Meu filho chegou ao limite, mas desejo que nenhuma outra criança precise fazer o que o meu fez. Eu, sozinha, não sou ninguém. Não posso deixar que o mesmo sistema que executou meu filho me cale”, declarou.
A fala de Marinês resume a realidade enfrentada por milhares de crianças negras no Brasil: um cotidiano de violências sutis ou explícitas que raramente são levadas a sério pelas escolas, diretores, conselhos tutelares ou gestores públicos. Guilherme foi silenciado em sala de aula, mas sua morte grita contra a negligência institucional.
Racismo nas escolas: a violência que se disfarça de “brincadeira”
Durante o debate, representantes da educação e do judiciário foram unânimes em apontar que o racismo nas escolas costuma ser tratado com eufemismos: “brincadeira de mau gosto”, “piada”, “coisa de criança”. Monique Rodrigues, da Superintendência de Promoção da Igualdade Racial (SUPIR), alertou para o despreparo das instituições: “Atitudes racistas são naturalizadas. Nosso papel é formar educadores capazes de reconhecê-las”.
A juíza Cláudia Maria Motta, da Vara da Infância, trouxe outro ponto alarmante: a violência racial entre adolescentes está sendo amplificada pelas redes sociais. “O bullying ganhou novo alcance. E o racismo está no centro dessa discussão”, afirmou. A banalização da violência, impulsionada por algoritmos e omissões, cria um ambiente cada vez mais hostil para crianças negras.
Reação que vem tarde, mas precisa avançar
O projeto ainda está em tramitação na Alerj e deverá incorporar sugestões da audiência antes de seguir para votação. O problema, porém, não é a falta de leis. É a ausência de vontade política para implementá-las e fiscalizá-las. A “Lei Guilherme Lima” só terá sentido se vier acompanhada de investimentos reais em formação de professores, canais de denúncia eficazes e um sistema de resposta ágil — não mais uma lei simbólica que será ignorada na prática.
Trata-se, acima de tudo, de reconhecer que o racismo institucional mata — de forma lenta, invisível e cotidiana. O caso de Guilherme não é exceção. É o reflexo de uma estrutura negligente que só reage após o irreparável. Que a dor de sua mãe não seja apenas mais um discurso emocionado em audiência pública, mas o começo de uma mudança concreta e inadiável.

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