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Governo anuncia ferramenta para mapear a fome, mas estrutura para combatê-la ainda é frágil

  • Foto do escritor: Marcus Modesto
    Marcus Modesto
  • há 1 dia
  • 3 min de leitura

O governo federal anunciou que, até o fim de junho, lançará um novo indicador para mapear com mais precisão a fome no país. Chamado de CadInsan, o sistema usará dados do Cadastro Único para identificar famílias em situação de insegurança alimentar grave. A medida faz parte do esforço do Planalto para tirar o Brasil novamente do Mapa da Fome da ONU até 2026 — objetivo que, embora urgente, esbarra em um problema que vai muito além da tecnologia: a falta de estrutura efetiva nos municípios para garantir o direito à alimentação.


Segundo o próprio Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que desenvolveu o CadInsan, o Brasil ainda conta com uma rede limitada de cozinhas comunitárias, restaurantes populares e bancos de alimentos. Apenas 10% dos municípios têm alguma dessas estruturas. A maioria é mantida com recursos locais e enfrenta dificuldades crônicas de financiamento, pessoal e logística. Ou seja, o país quer mapear melhor a fome — mas ainda não consegue enfrentá-la de forma capilar.


Fome persiste em milhões de lares


Mesmo com os avanços recentes, como a queda do número de pessoas em fome extrema de 33 milhões em 2022 para 8,7 milhões no fim de 2023, o problema permanece dramático. Isso representa 4,1% dos domicílios brasileiros, quase o dobro do índice registrado em 2013. Em estados como o Pará, quase 1 em cada 10 famílias vive sem acesso mínimo a alimentos. A média nacional está estagnada perigosamente perto do limite estabelecido pela ONU para inclusão no Mapa da Fome — 2,8%, quando o teto aceitável é 2,5%.


A desigualdade também é gritante entre as regiões. No Norte e Nordeste, quase 4 em cada 10 municípios convivem com insegurança alimentar em larga escala. Enquanto isso, em estados do Sul e Sudeste, a realidade é outra — com índices abaixo de 20%.


Ferramenta moderna, problema antigo


O CadInsan promete oferecer um retrato mais fiel e localizado da fome, substituindo metodologias mais limitadas como o Tria (Triagem para o Risco de Insegurança Alimentar), que hoje depende de entrevistas esparsas em unidades básicas de saúde. A nova tecnologia cruzará variáveis como renda, composição familiar e moradia para antecipar situações de risco.


Mas a pergunta que persiste é: adianta saber onde está a fome se não há estrutura para combatê-la onde ela acontece?


Sistema nacional ainda engatinha


O Plano Brasil Sem Fome, que integra o novo indicador, aposta no fortalecimento da agricultura familiar, no acesso direto a alimentos e na articulação federativa por meio do Sisan (Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional). No entanto, apenas 1.600 municípios — menos de um terço do país — aderiram ao Sisan. A meta é alcançar 3 mil até 2026, mas sem garantir incentivos reais ou estruturas mínimas, esse número pode virar mais uma meta simbólica do que uma conquista efetiva.


Luiza Trabuco, secretária extraordinária de Combate à Fome, reconhece que a adesão ao sistema é essencial para proteger as políticas públicas das oscilações políticas. O problema é que, enquanto o discurso mira 2026, a fome bate à porta de milhões de brasileiros todos os dias — e muitos municípios ainda não têm sequer uma cozinha solidária para oferecer um prato de comida.


Diagnóstico é essencial. Ação, mais ainda.


Mapear a fome é fundamental. Mas o Brasil precisa, com urgência, de uma rede nacional de segurança alimentar real, presente em todos os territórios, com orçamento garantido, gestão continuada e participação social. Sem isso, o CadInsan corre o risco de ser apenas mais um retrato fiel da tragédia — e não um instrumento de superação dela.


 
 
 

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