Bate-boca no Senado expõe desrespeito, misoginia e desprezo pela pauta ambiental
- Marcus Modesto
- há 22 horas
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O episódio protagonizado na Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (27) escancarou não apenas o embate entre visões de desenvolvimento e sustentabilidade, mas também o nível alarmante de desrespeito, misoginia e degradação do debate público dentro do próprio Congresso Nacional.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deixou a sessão após ser alvo de ofensas diretas do líder do PSDB, senador Plínio Valério (AM), que afirmou querer “separar a mulher da ministra”, porque, segundo ele, a mulher merece respeito, mas a ministra, não. A fala repete o tom agressivo adotado pelo mesmo senador em março, quando declarou ter vontade de “enforcar” Marina.
É inaceitável que em pleno século 21, com o mundo debatendo mudanças climáticas, justiça social e civilidade política, um senador da República trate uma ministra — ou qualquer mulher — dessa forma, numa clara demonstração de machismo e violência verbal. Mais que uma diferença política ou ideológica, trata-se de uma tentativa de desqualificar, diminuir e constranger uma mulher em espaço de poder.
Não foi um episódio isolado. O comportamento do presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL-RO), que mandou Marina “se pôr no seu lugar”, reforça a cultura de silenciamento dirigida a mulheres, especialmente quando ocupam cargos de protagonismo. Quando a ministra reagiu, o desconforto dos senadores foi imediato — parece que no Senado, mulher que se defende é vista como “mal-educada” ou “inconveniente”.
Por trás dos ataques, está um debate legítimo, mas conduzido de forma tóxica: a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Uma obra que, de um lado, promete integração logística e desenvolvimento econômico para o Amazonas, mas que, do outro, carrega riscos gravíssimos de avanço do desmatamento e da destruição da Amazônia. A complexidade do tema exige diálogo, estudos técnicos, responsabilidade ambiental e compromisso com as futuras gerações — não gritos, ofensas e cortinas de fumaça populistas.
O que se viu na Comissão foi uma demonstração explícita de que parte dos senadores ainda enxerga a proteção ambiental como obstáculo, e não como requisito para o desenvolvimento sustentável. A visão imediatista, rasa e baseada na velha lógica do “crescimento a qualquer custo” segue pautando setores do Senado, que preferem transformar a ministra em bode expiatório para problemas que são estruturais e históricos, como a má gestão, a burocracia e a corrupção que travam obras pelo país há décadas.
Mais uma vez, sobra à sociedade civil, aos ambientalistas, aos cientistas e aos setores responsáveis da política sustentar a defesa de um modelo de desenvolvimento que não destrua o que resta dos nossos biomas. E sobra, infelizmente, o alerta sobre a qualidade do debate político no Senado, onde, para alguns parlamentares, parece mais fácil atacar uma mulher do que enfrentar os desafios reais do país.

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