Livro e exposição revelam histórias ocultas da escravidão no Vale do Paraíba Fluminense
- Marcus Modesto
- há 22 horas
- 3 min de leitura
No próximo dia 29 de maio, às 17h, o Museu da Justiça do Rio de Janeiro será palco do lançamento do livro O Vale da Escravidão: Histórias de Escravizados nos Arquivos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, uma obra que resgata e dá voz às trajetórias de homens e mulheres submetidos à escravidão no século XIX. A iniciativa, resultado de uma parceria entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), também contará com uma exposição que ficará aberta ao público.
O livro, que reúne 13 artigos assinados por historiadores, cientistas sociais e pesquisadores do próprio TJRJ, mergulha em processos cíveis e criminais preservados nos arquivos judiciais do Vale do Paraíba Fluminense — região que, durante o século XIX, se consolidou como um dos principais centros da economia escravista brasileira, sustentada pelo ciclo do café.
O procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, um dos organizadores da obra, destaca que o projeto busca desmistificar a narrativa oficial de que a abolição foi um ato de benevolência. “A liberdade não chegou como um presente no 13 de maio de 1888. Ela foi conquistada, dia após dia, nas trincheiras dos tribunais, nas fugas, nas rebeliões e nas ações de liberdade movidas por pessoas escravizadas”, afirmou.
A subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen, que coordena a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, reforça que preservar e divulgar esses documentos não é apenas um ato de memória, mas uma reparação histórica. “O Brasil tem uma dívida concreta com os descendentes das pessoas escravizadas. Reconhecer essas histórias é fundamental para compreender as raízes das desigualdades que ainda marcam a nossa sociedade”, defendeu.
O Vale da Escravidão
Localizado estrategicamente entre os então principais centros econômicos do país — Rio de Janeiro e São Paulo —, o Vale do Paraíba foi epicentro da expansão cafeeira e de um modelo de riqueza sustentado na exploração brutal da mão de obra escravizada. A paisagem dos casarões, fazendas e cidades da região ainda carrega as marcas desse passado.
Mesmo após a promulgação da Lei Feijó, de 1831, que teoricamente proibia o tráfico transatlântico de africanos, a região permaneceu como rota ativa do comércio ilegal de pessoas. Sob a conivência de autoridades locais e redes internacionais, milhares de africanos seguiram sendo traficados clandestinamente, transformando o Vale do Paraíba em cenário de uma hipocrisia institucionalizada, onde a lei e a prática caminhavam em sentidos opostos.
É nos autos dos processos que vêm à tona as histórias que os livros tradicionais muitas vezes ignoraram: disputas por cartas de alforria, denúncias de tráfico ilegal, ações de liberdade, maus-tratos e resistências cotidianas. São registros que desmontam a falsa ideia de passividade da população negra escravizada e mostram uma luta jurídica, social e simbólica pela emancipação, muito antes da assinatura da Lei Áurea.
Um projeto de memória e reparação
O projeto Arquivos Judiciais da Escravidão no Vale do Paraíba Fluminense não se limita à produção do livro. Inclui também a identificação, digitalização e preservação de documentos judiciais que estavam dispersos em arquivos de municípios como Piraí e Rio Claro, além da montagem da exposição e da realização de um seminário sobre o tema.
Além de resgatar documentos históricos, a iniciativa visa garantir que as futuras gerações possam acessar, estudar e refletir sobre esse passado — um passado que não ficou tão distante assim. Afinal, as heranças da escravidão seguem presentes nas estruturas sociais, econômicas e políticas do Brasil contemporâneo.
Serviço:
Lançamento do livro e exposição — O Vale da Escravidão: Histórias de Escravizados nos Arquivos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Data: 29 de maio de 2025
Hora: 17h
Local: Museu da Justiça do Rio de Janeiro — Rua Dom Manuel, 29, Centro, RJ
Evento aberto ao público.

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